terça-feira, 1 de abril de 2014

Carta para Samantha/"Her" (2014)

Prezada Samantha:


É bastante estranho iniciar estas linhas sabendo que estou escrevendo para um programa de computador. Posso explicar melhor minha sensação afirmando que estou tomada por uma espécie de susto. No entanto, poderia ser pior: eu poderia estar te amando. Ou, ainda, disputando com você o amor de um homem.
A princípio, essa concorrência seria um pesadelo para mim: você leva um tempo absurdamente menor para conhecer, ou, melhor dizendo, para acessar esse homem. Como você teve acesso a todos os arquivos que supostamente falam desse homem, você faz uma determinada leitura de todos os dados. Já eu consegui somente ler alguns escritos, compreender supostamente algumas palavras ditas e, ainda assim, cada vez que releio, cada vez que me deparo com novas e velhas palavras ditas, descubro alguma outra coisa, algum novo sentido, alguma outra pista deste homem que amo. Por isso, seria enlouquecedor de minha parte qualquer tentativa de traçar um plano que tentasse alcançar o que você faz. Tal impossibilidade, contudo, não me atormenta.
Certamente, você ganharia pontos por compor músicas para e com este homem, enquanto eu mal cantarolo algumas canções. Eu mesma fiquei encantada com esta sua capacidade. Até invejei. Porque, de minha parte, qualquer tentativa mais séria de compor e de escrever recairia facilmente no ridículo.
Por ser um software, você não erra duas vezes. Já eu, se pudesse ser comparada a você, seria um programa paródia, porque seria aquele cujo defeito é o de errar, e de recair no erro, inadvertidamente.
Ocorre que este ponto, o do erro, Samantha, é justamente o que demasiado expõe qualquer homem: não está devidamente envolvido um homem que demonstra nervosismo em seu segundo erro, naquela frase infeliz que retorna, na recorrência daquele tropeço sentimental, qualquer idiotice que repetimos. Pior mesmo é aquele homem que tem seu nível de paciência consideravelmente afetado. Isso é um péssimo sinal, e comparece exatamente depois de nossos segundos erros.  Fingir paciência, de início, é fácil e prático. É a dimensão do tempo, somada aos erros, que mostram as verdades de um humano.
Também, e infelizmente, é exatamente naquilo que você não erra o que a faz perder o que de mais profundo e bacana há em um relacionamento: conhecer um cúmplice existencial exatamente quando falhamos, saber que este homem, parceiro que é, se importa com você, descobrir o quanto um homem pode e quer exercitar sua paciência, seu carinho, sua generosidade e o crescimento de ambos nestas situações, em que o sorriso amarelo ganha espaço.
E o corpo, minha prezada, o corpo é outro ponto fundamental. Ao contrário do tão propalado clichê, os homens não são iguais. E se há homens que se seduzem pela voz, se há homens que desejam um determinado tipo de corpo, há aqueles que querem uma voz com corpo ou um corpo com voz. Há diferentes homens para esse vasto universo de mulheres com diferentes encantos e belezas.  
Entendo perfeitamente o fato de Theodore e os outros milhares de homens com os quais você se envolveu se tornarem desinteressantes em tão pouco tempo. Entendo o fato de você precisar alçar outros voos em sua programação. Creio que também ficaria extremamente tomada de tédio e iria querer distância de alguém de quem sei tudo em tão pouco tempo e de acordo com um determinado código de leitura. Mas por aqui, nas (des)entendidas linguagens que nos circundam, minha logical software girl, as coisas não são tão simples. Há equívocos, silêncios, há paixões, há amores suaves e desmedidos, há amizades coloridas, há afetos em jogo que nunca são compreendidos. Há afetos em construção. E são tantos os movimentos! Ainda bem. Você me ensinou a desejar e a amar ainda mais o movimento, até mesmo a desejá-lo. Em mim e no outro. Você me fez entender que desejo o mistério.
  
Uma mulher